Maçonaria Feminina
Escolhemos a Maçonaria Feminina – Síntese Sessão 15º Aniversário GLFP
“Quando Baltasar entra em casa, ouve o murmúrio que vem da cozinha, é a voz da mãe, a voz de Blimunda, ora uma, ora outra, mal se conhecem e têm tanto para dizer, é a grande interminável conversa das mulheres, parece coisa nenhuma, isto pensam os homens, nem eles imaginam que esta conversa é que segura o mundo na sua órbita, não fosse falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta.”
José Saramago in “Memorial do Convento”.
Os trabalhos tiveram início com a nossa MRIGM a desejar as boas vindas e a exortar ao trabalho profícuo, tendo de seguida a nossa Querida Irmã Presidente da Mesa recordado que o nosso encontro desta manhã era uma celebração do 15º aniversário da nossa Obediência e, invocando razões inesquecíveis, coisas inexplicáveis, sentidamente as Irmãs que já partiram mas que estão connosco em cadeia de união e desejando que as 14 Lojas da GLFP ali reunidas contribuam para um debate que nos faça reflectir numa diversidade criadora e emancipadora.
E voltando ao personagem de Saramago, Elas disseram hoje, à guisa de balanço de 15 anos e outras de muitos mais, coisas parecidas, coisas diferentes, algumas falaram no singular mas dirigindo-se ao colectivo, enfim, falaram o que lhes ia na alma mas sobretudo com a razão. Oiçamo-las, pois:
Ser Maçon é Ser! E depois, livres e bons costumes…, o que é uma redundância.
Mas, Temos que saber SER. Deveríamos ser como um todo indivisível, pois os valores que professamos (cultivar o amor fraternal, que é a pedra angular, o cimento e a glória da Maçonaria) têm que ser os mesmos para todas. E valores que transcendem a pessoa e o grupo, como a liberdade individual, os Direitos do Homem, a justiça, a probidade, a honradez são o chão comum onde assenta a humanidade.
E esse chão comum é a Maçonaria, Aliança Universal de Homens e Mulheres que receberam a Luz, unidos para trabalhar em comum no aperfeiçoamento intelectual, moral e espiritual da Humanidade.
A maior parte de nós não escolheu entrar na Maçonaria Feminina, mas sim ingressar na Maçonaria.
O processo iniciático não é feminino nem masculino, é humano, não conhece género. A questão do género não é indiferente, mas como ideal de perfeição não deve ser defendida.
Foi quase unânime entre as Irmãs expressarem a sua referência em trabalhar com mulheres numa Obediência Feminina, defendendo a especificidade da Mulher.
Pertencer à Maçonaria é abraçar um conceito elevado e exigente, de princípios e valores morais, que se traduzem em comportamentos que revelem a ética e a dignidade, a bondade e a firmeza, a força anímica e a energia, a subtileza.
Escolhemos a Maçonaria Feminina, é assim uma tomada de consciência que se vai construindo na caminhadainterior feita por cada uma em Loja, em Maçonaria e no Mundo.
Inúmeras razões iluminam a escolha pela Maçonaria Feminina:
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Relembrar ao mundo o importante papel da mulher na sociedade actual;
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Pelo que a mulher representa no processo evolutivo e
de desenvolvimento pessoal ao longo do ciclo de vida do ser Humano como co-construtora de cidadãos;
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Pelo facto de a mulher possuir extraordinárias características afectivas e uma inesgotável capacidade de adaptação às exigências da vida (resiliência);
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Por ser um pilar imprescindível na sociedade pela sua luminosidade, persuasão, beleza, harmonia, intuição e inspiração;
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Para revelar a palavra no silêncio da opressão e dar voz a todos aqueles que, cansados e amordaçados, se calaram;
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Para dar continuidade à luta perseverante de todas as irmãs e mulheres, do passado e do presente, na conquista pela liberdade, pela igualdade, pela fraternidade, pela justiça, pela tolerância e pelo Amor;
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Por optarmos construir a nossa Luz com quem partilhamos naturalmente esta emoção.
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Escolhemos a Maçonaria Feminina porque acreditamos que sendo a Maçonaria formada por um conjunto de pessoas de bons costumes, idóneas e preocupadas com o bem da Humanidade em geral, as mulheres não só fazem parte como são um contributo determinante, cumprindo assim a sua função de um dos pólos da Humanidade.
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Escolhemos a maçonaria feminina porque, através da Transcendência que confere sentido à realidade humana, representa o fim supremo para o qual a mulher se dirige na realização contínua dos seus ideais (o Bem e o progresso da Humanidade).
A opção pela Maçonaria feminina prende-se com a consciência de que há um modo de ser e fazer próprio de homens e mulheres, como também é específico de cada género a maneira de reflectir e de trabalhar na procura da verdade.
Trabalhamos então, homens e mulheres, em separado. Mas isso não quer dizer que trabalhemos cada um para seu lado. Trabalhamos para o bem comum cada um à sua maneira e forma que se adapta melhor às características de uns e outras. Assim, a maçonaria feminina pode, com todo o à vontade, trabalhar à sua própria maneira, com a sua sensibilidade e forma de estar sem estarmos constrangidas, porque à partida Homens e Mulheres podem divergir na forma, mas não divergem no conteúdo. Cada adapta um utiliza a “formula” que se adapta às suas características.
Acreditamos que um dia, o trabalho de quem nos antecedeu, o trabalho que actualmente desenvolvemos e o trabalho de quem nos suceder, nos conduzirá a uma Maçonaria onde o género não seja mais motivo de separação mas sim de conjunto: o vértice do triângulo representado pelo Delta que contemplamos.
Escolhemos uma Obediência Feminina porque há um modo de ser e de fazer que são próprios das mulheres. Porque pensar pela nossa cabeça é decidir sobre o nosso futuro, o nosso destino.
Tenhamos presente a transposição da luta profana pelos direitos no feminino. De facto, num passado não muito distante, tudo se passava com os homens, o Mundo e apalavra chegavam-nos no masculino, carecendo a Mulher de um espaço de tempo específico, procurando através da sua escolha conquistar o seu lugar, também em Maçonaria, onde pudesse, sem dependências, partilhar da semente comum à sua essência, e beber da razão para semear a mudança.
Por isso a nossa escolha responde exactamente à necessidade de encontrar um tempo, um espaço de reflexão e de palavra que sejam nossos, e que nos permitam tomar plenamente consciência da nossa identidade feminina, e da nossa responsabilidade no cumprimento do papel de mulher no mundo. Só a mulher pode saber qual é o seu combate. Caso não o consiga identificar, arrisca-se a transformar-se numa combatente da causa dos outros.
Escolher, pode ser um acto objectivo e racional, comandado pela inteligência e, portanto, calculado e programado para atingir fins previamente definidos, imediatos ou não, benévolos ou não.
Escolher também pode, no entanto, resultar de um ato emocional, no sentido em que é comandado pela sensibilidade e instinto de um momento não calculado, visando normalmente a obtenção de um qualquer tipo de bem-estar, imediato ou não, benévolo ou não. Escolher é decidir dos seus actos, é responsabilizar-se pelas suas acções.
Em suma, escolher é um acto de Liberdade. Mas, escolher estava interditado à mulher.
"Não pense a mulher que tem como nós homens entendimento” Isto escreveu D. Francisco Manuel de Melo, na sua Carta de Guia de Casados, há quase 400 anos, traduzindo o pensamento dominante: a mulher era inferior ao homem e deveria ser submissa, discreta, reservada, caseira, fiel, boa filha, boa esposa, boa mãe.
Deste modo, às mulheres eram geralmente negados os direitos cívicos, políticos e sociais. A mulher geria a casa, educava os filhos e cuidava do marido. Para isso, não lhe era necessária grande instrução, pelo que raras eram as mulheres cultas. Até ao século XIX, com raras excepções, não se falava de pintoras, escultoras, arquitectas, escritoras, compositoras, filósofas.
Quase 200 anos depois de se ter iniciado a luta pela igualdade civil e política dos cidadãos (com o iluminismo e o liberalismo), as mulheres continuavam a não ver reconhecidos os seus direitos. No começo do século XX, a mulher era ainda considerada como intelectualmente inferior, incapaz de assumir responsabilidades cívicas, permanecendo sujeita à tutela familiar do homem, fosse ele o pai, o marido ou o irmão (lembremos que, ainda nos anos 60 do século XX, em Portugal, uma mulher casada precisava de autorização do marido para se ausentar para o estrangeiro!).
Mas afinal porque escolhemos a Maçonaria Feminina e não outra?
Sabemos que o peso da tradição na maçonaria é muito grande. Aliás orgulhamo-nos todas e todos muito dela, mas longe vão aos tempos das Constituições de Anderson que, em 1723, excluía as mulheres das lojas da mesma maneira que os escravos e os homens imorais.
Mulheres deixadas na sombra da História.
Entramos pelo séc. XX, recuperamos a essência, mas devagar… o pêndulo do tempo e da igualdade ainda não balançava de forma regular. Na tentativa de recuperar o tempo perdido, recuperar a história, a marca inicial, as mulheres perdem o medo. E avançam!
Sabemos que em Portugal a maçonaria feminina surge sobe proposta de um grupo de sete mulheres e com elas a esperança, ainda pouco iniciática, uma dimensão que foi crescendo ao longo do tempo, de que a maçonaria seria um excelente instrumento para fazer o que até então era impossível em Portugal, a criação de uma solidariedade cúmplice entre mulheres portuguesas.
As primeiras maçonas chegam por acaso, identificam-se com um grupo de Mulheres, à data quase todas conhecidas da luta profana pelos direitos no feminino. Na vida profana tudo se passava com os homens: no partido, na autarquia, no sindicato, no emprego, na família!
E foram ficando, talvez porque lá fora, cansadas de não terem o tal espaço e tempo específico, aquela era a gruta mãe, o ovo inicial, a semente do que lhes era comum. E continuaram… permaneceram… porque novas chegaram e outras vidas e visões vieram juntar-se.
Na história recente da maçonaria feminina, em pleno século XXI, nós mulheres entrámos sem qualquer dúvida, confiantes, apesar de após 38 anos de Liberdade em Portugal e 15 anos de Maçonaria Feminina ainda não tivessem sido dado os passos suficientes para atingirmos a igualdade de género, e isto em pleno século XXI.
Houve ainda Irmãs que consideraram que o Tema “Escolhemos a Maçonaria Feminina” não traduz uma escolha livre, mas sim limitada, na medida em que as mulheres hoje, tal como no passado, apenas podem ser admitidas em duas Obediências: a GLFP e o DH, sendo que é perante estas duas Obediências que é feita a opção.
Recordemos que a maçonaria feminina nasce de uma circunstância discriminatória, apesar de ter estado na vanguarda da reivindicação e na luta pela igualdade de direitos, recordemos Adelaide Cabete que pugnou pela lei da maternidade.
Para outras Irmãs consideram que não escolheram, que foram eleitas e “por isso estamos aqui”, dizem. E acrescentam que esta é a Maçonaria que querem e em que se revêem, pois:
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Gostam da diferença e aceitam-na de coração aberto
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Acarinham a nossa intimidade na caminhada para um aperfeiçoamento individual
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Não se refugiamos no passado, e assumem o seu compromisso com o futuro de Igualdade efectiva perante a Lei e o Universo
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Entendem a complementaridade dos géneros e sabem que essa dualidade simboliza a Unidade sem restrições
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Sem Dogmas, e libertando o pensamento, respeitam a fraternidade de relações entre todos os Irmãos.
A Mulher tem sido o Traço de União, o elo da Cadeia através das transformações que a Humanidade sofreu.
Viemos com o peso do passado, construímos e reconstruímo-nos no presente para transformar o futuro. E vamos ficar, por livre escolha, o que o tempo nos deixar, sem hesitação, nem preconceito, nem medo de que nos digam ser anacrónicas.
Em Cadeia de União, com a Luz da Razão e o Calor do Coração, com Sabedoria, Força e Beleza, cremos que se Constrói o Futuro.
Em Cadeia de União, com a Luz da Razão e o Calor do Coração, com Sabedoria, Força e Beleza, cremos que se Constrói o Futuro.
É a comunhão no feminino, que escolhemos livremente, interagindo com o Mundo e com os outros, com o Amor e segurança que nos são próprios, numa viagem em que cada uma se reconhece construtora de si e da Humanidade, e disso dá testemunho, pelo seu exemplo, acrescentando assim, como centelha de Luz, mais um elo à Cadeia de Mulheres Livres e de Bons Costumes, que na prossecução do seu eterno papel criador, ornarão de Beleza a construção de um Novo Futuro.
Depois da apresentação, pelas 14 Lojas, seguiu-se um debate em que várias Irmãs salientaram o apreço pela iniciativa, chamámos para junto de nós Irmãs que passaram ao oriente eterno, tais como as nossas Irmãs Manuela Margarido e Joaquina Almeida, ouviram-se palavras de incitamento a que continuemos a nossa demanda de pensar a Maçonaria e o nosso papel dentro dela, concluindo que não escolhemos a maçonaria feminina, mas fazemo-la.
Finalmente e para fecharmos este círculo, no qual todas cabemos, voltámos ao princípio, ou seja, Às três grandes questões iniciáticas postas pela humanidade, ao longo dos séculos: Quem Somos? De onde vimos? Para onde vamos? E as Irmãs responderam:
-Somos Maçonas, pedreiras, herdeiras directas dos construtores de templos e de catedrais, mas também Mulheres que fazem escolhas: Escolhemos a Maçonaria Feminina.
-Vimos de um trabalho árduo, carregado de desilusões e recuos, mas sempre com alegria e determinação concluímos os primeiros 15 anos de trabalho.
Para onde vamos, então? Como está a decorrer a construção do templo? Talhámos as pedras que lhe dão solidez? Começámos a levantar os pilares? Será já tempo de ornamentar as colunas e desenhar as janelas que iluminarão o futuro?
Perguntas e mais perguntas. O processo iniciático está em curso na Maçonaria Feminina. As Maçonas da Grande Loja Feminina de Portugal disseram!
As Maçonas da Grande Loja Feminina de Portugal disseram!
Or.’. de Lisboa, a 28 de Abril de 6012